Saudações magnetotelúricas

de Fernando José Gomes Landgraf

 

sítio iniciado em 2001

última alteração agosto de 2010

 

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As insignificâncias:  
Suprematismo e new wave  
spirals  
A mulher sobre a lua crescente  
O leão em riste 
Bloomsday
O Córrego das Corujas

 

 

Significativas insignificâncias

 

Insignificâncias. Como será que elas se tornam significativas?

Convivemos com uma enormidade de informações. Imersos nelas, cada um seleciona o que lhe é importante para sobreviver e para se divertir. Eu acabo escolhendo temas insignificantes para investigar. Para dizer a verdade, as vezes parece que não escolho, fico obcecado. O único jeito de livrar-me do "encosto" é escrever.

Em 1983, achei que o mundo tinha sido inundado por formas geométricas. O texto  "A estética New Wave e um tal de Suprematismo"  foi escrito em 1985. Foi um gostoso exercício de história da forma, um pretexto para aprender história da arte. Mas seria possível que dizer que "Alguns neurônios deste Homo Sapiens associam modernidade com Abstração Geométrica"?

Pouco depois começamos a  comemorar o Bloomsday. Anualmente ler mais uns pedaços do Ulisses deve ser apenas um episódio mais grave desse desvio de comportamento. Afinal, o que fez Joyce eleger como significativo um dia qualquer na vida de um medíocre publicitário? Fazemos isso religiosamente, desde 1985.

Em meados dos anos 90 conheci e me apaixonei por uma outra vertente da história da forma: a história da paisagem, mais conhecida como geologia. Que enorme fonte de prazer! Continuo aprendendo e divertindo-me muito, mas esse é um assunto em que só especialistas escrevem. Só posso invejar os que podem transformar a profissão em hobby.

Em 1997, em Recife, comecei a sentir-me perseguido por espirais. Toda igreja barroca que eu via estava coberta por espirais.  Perceber isso foi parecido com a sensação de olhar as imagens dos livros chamados "Olho Mágico", lançados no fim dos anos 80: depois de olhar fixamente, por muitos segundos, uma imagem inicialmente indecifrável, de repente saltava à vista uma figura, e a vemos tridimensional. A partir do momento em que aprendi a apreciar as espirais no barroco, comecei a vê-las na midia dos anos 90.  Mais que isso, passei a achar que havia algo mais que uma "moda". Mas qual seria o "significado" das espirais? Demorei para aceitar a explicação mais simples: são um símbolo de "crescimento" . Espirais são uma bela solução da natureza para as dificuldades do crescimento. Mas por que, naquele momento? Por que vem e vão, na história, como mostra a página "spirals" ? Essa página foi escrita em inglês, para avaliar se existia um público planetário interessado nessa maluquice. Parece que não.

Por volta de 2003, nova imagem passa a brilhar, em conseqüência do interesse pelo barroco: a mulher com os pés sobre a lua. De novo a busca da história da imagem. De novo hiper-presente mas em geral não notada por nós, leigos. O melhor da aventura foi descobrir que a padroeira do Brasil e da américa latina é a  Senhora do Apocalipse.

Em 2005, uma nova insignificância assumiu importância: a nanopolítica, no Córrego das Corujas, a necessidade de fazer alguma coisa pelo bem comum, usando as fracas ferramentas que podemos dispor. Mesmo que seja só escrever sobre um vale de um córrego no meio da cidade, apenas observar, descrever, buscar solidariedade e, quem sabe, limpá-lo um pouquinho. Com isso, ajudar a limpar o Pinheiros. Que limpará o Tietê. Afinal, pretendemos andar de barco no Pinheiros em 2020, certo? A nanopolítica pode incluir a luta pelo retorno dos nomes tradicionais das ruas do Vale das Corujas: a rua Natingui tem que voltar a chamar-se Rua do Futuro, e a Diógenes Ribeiro de Lima tem que voltar a ser a Estrada das Boiadas. A radicalização da nanopolítica seria defender a descanalização do córrego, na Frederico Hermann Jr. Mas vamos com calma.

Em 2007 o barroco me foi corporificando nas irmandades do XVIII, na expulsão dos jesuítas, a execução dos Távoras,  até me ficar claro, numa livraria de Cardiff,  que em 1759 os ingleses dominaram o mundo, financiando a primeira revolução industrial com o ouro brasileiro. O programa passou a ser escrutinar tudo o que aconteceu em 1759. Usar esse ano para enxergar cada cidade que visitava.  Essa insignificância poderá um dia traduzir-se no romance de Cacambo, o mestiço de índio que sai de Colonia do Sacramento no primeiro dia daquele ano com um objetivo claro e escuro, para desistir de tudo na Capela Dourada do Recife, em dezembro, quando percebe que não há mais como salvar os jesuítas. 

Em 2010 a arqueometalurgia ressurge para celebrar os 200 anos da fundação da Real Fábrica de ferro de Ipanema.


Mas afinal, que atração exercem essas formas tão insignificantes? 

Será que existe o tal inconsciente coletivo? O inconsciente é uma coisa tão pessoal, tão íntima, tão escondida até de si mesmo - o consciente - que a idéia de um inconsciente coletivo parece um contra-senso.

Símbolos são imagens às quais são atribuídos certos significados, praticamente se convenciona atribuí-los. Por isso, não são, a rigor, parte do inconsciente coletivo, pois o significado foi atribuído conscientemente. Entretanto, C. Jung afirma que os símbolos sempre portam mais significados do que os que lhes são atribuídos.

A tese é que certas imagens portam um significado oculto, (inconsciente, portanto) transmitem uma idéia que não é explícita. Para que não fiquem dúvidas, não partilho com aqueles que acreditam no ocultismo - algo que é oculto para muitos, mas não para os poucos iluminados.. O que é interessante é que em ambos os casos - a abstração geométrica, as espirais, a mulher sobre a lua - as imagens atravessam a história, brilhando, fenecendo e ressurgindo tempos depois. Será possível descobrir, identificar, um significado comum que ressurge, ou será que cada época a reprocessa, carregando a mesma imagem com novos significados? É muito tentador associar a espiral dos anos 90 com a civilização internétic@ , representando um novo ciclo de crescimento. Surge aqui uma teoria: períodos de crescimento levam-nos a gostar de espirais. .

Um certo Carlo Ginzburg fala em método morfológico de investigação. Laura de Mello e Souza, na apresentação do livro dele "Mitos, Emblemas, Sinais", 1986", fala de uma "extraordinária meditação sobre as raízes de um paradigma epistemológico assentado no detalhe, naquilo que aparentemente não tem importância mas que, na verdade, é fundamental à explicação científica: "Deus está no detalhe", dizia Aby Warburg."

No tal livro, Ginzburg diz que  a "continuidade (de certas formas) ...  não pode ser genericamente remetida a uma tendência do espírito humano. Era inevitável descartar antecipadamente pseudo-explicações que apenas recolocam o problema ("arquétipos", "inconsciente coletivo")...". Uau. Partiu pro pau com os Junguianos. Ele identifica três próceres de seu método, um crítico de arte chamado Morelli, e mais Freud e Conan Doyle. Os três foram médicos. Nos três, Ginzburg vê o método semiótico de identificar, em detalhes insignificantes , a chave do problema. Eu não sou médico, mas minha profissão de metalurgista exige que eu fique atento às pequenas variações da forma, a entender o efeito dos processos de fabricação nas propriedades da matéria através da microestrutura, buscando entender como as propriedades são controladas pela microestrutura e como o processo molda a microestrutura. Acredito ser este viés que me permitiu, ou me "condenou" a ficar obcecado por esses detalhes.

 

Entretanto, minha experiência na construção do doutorado me diz que enquanto eu não tive uma "teoria", um modelo explicativo, eu não enxerguei o detalhe microestrutural que sempre esteve lá. Ecoava em mim a frase de um professor, Paulo Sérgio Pereira da Silva: a explicação do fenômeno está lá na microestrutura. Você tem que debruçar-se nela até encontrá-lo. Mas precisei ter uma teoria, para vê-lo.

Veremos.